O Caminho de Asura Capitulo 13

 


Capitulo 13

O Caminho para Rild


“Você não deveria saber disso.” Askhalon disse em tom desconfiado. Como poderia Asura conhecer algo que nunca ouviu em sua vida?


— Kayou… Existem infinitos universos dentro de um mesmo Plano? Plano? — O jovem caiu em confusão.


“Como sabe disso?”


— Você… é o Dragão Demoníaco… das Sombras.


“Teve acesso às minhas memórias…”


— Parcialmente.


“Como?”


“Não sei.”


“Só pode ter sido o selo…”


“O selo…”


“Inferno… Agora tem um pirralho fuçando minhas memórias!”


— Reinos, Planos, Universos… Kayou… Esse é o nome dessa existência… Dessa realidade abrangente?


“...”


— Ei, me responda.


Askhalon se manteve em silêncio.


“Maldito.” Asura pestanejou.


Não demorou para que o rapaz tentasse se levantar, para então notar sua condição. Ele continuava envolto em panos e ataduras, apesar de sua recuperação já estar bem avançada.


— Fator de cura…


“Não venha com intenção de cumprir aquela sua promessa de suícidio, isso desperdiçaria todo o esforço daquela garota. Fora que eu não fiz tanto assim. Você não é burro, sabe que possui naturalmente uma regeneração maior que o comum.”


— Naturalmente o caramba, isso é por culpa sua e de Ouroboros.


“Como é que pode existir um imbecil como você que reclama por ser agraciado com um fator de cura e físico superiores ao comum?!”


— Enfia essas vantagens no…


****


Terminada a discussão nada amigável, o ainda ferido e debilitado Asura saiu de seu quarto, desceu as escadarias e deixou o casarão.


— Eu esperava que você estivesse melhor que eu, não o contrário — comentou o jovem.


— Bom dia pra você também. — Raven, que estava deitada na grama logo à frente da entrada do castelo, rebateu. 


— Deveria ter cuidado melhor de seus ferimentos — disse ele enquanto se sentava ao lado dela.


— Eu bem que tentei. — Ela se sentou corretamente. — E acabou assim. Pelo menos dá pro gasto.


Ela não estava muito diferente de Asura. Coberta de curativos e ervas medicinais, porém tortos e colocados sem muito cuidado, além de não ser provida de uma regeneração sobrenatural como ele.


— Onde estão os lagartos?


— Acho que voltaram para a caverna.


— As armas ficaram na floresta?


— Eu as busquei.



— Você enterrou ele?


— Sim. 



Após um breve momento silencioso, o jovem suspirou.


— Me dê sua perna esquerda. Vai levar dias para se curar do jeito que está. Se está cansada, deixe que eu faço.


Sentindo um calor no peito, Raven fez como Asura pediu, e ele então começou a refazer o curativo.


— Obrigada.


— Eu que agradeço.


E enquanto vivenciava aquele singelo momento, uma questão veio à mente da garota:


— O que vamos fazer agora? 


— Vamos para Rild, nos tornar caçadores.


Sabendo seu destino, a moça virou seu rosto para trás, cravando seu olhar no castelo.


— Não vou mentir, não sei quando voltará a ver esse lugar. Então, se…


— Tá tudo bem. — Ela interrompeu fitando-o nos olhos. — Eu vou ficar bem.


— Sei. — Asura desviou o olhar.


Raven então deu uma leve risada.


— O que foi? — O jovem perguntou.


— Nada. Só estou feliz que estamos bem.


****


Dia seguinte.


— Prometo que vou voltar!


Com uma pequena bolsa cheia com suas coisas em suas costas, a garota parada em frente ao portão do castelo gritou.


Uma sensação estranha residia em seu coração e um frio em sua barriga.


Afinal, isso era um adeus que mais parecia um até logo, ou um até logo que mais parecia um adeus?


Um medo que se escondia por detrás de uma empolgação? Ou uma empolgação camuflada sob os pés do medo?


Só o tempo possuía essas respostas, logo, de que adiantaria ficar pensando demais nisso? 


Raven deu as costas ao seu lar e, passo a passo, caminhou pela estrada de terra até alcançar Asura.


— Vamos? — Ela tomou a dianteira sem esperar por uma resposta.


Vendo as costas daquela garota se afastando, o jovem suspirou e então esboçou um pequeno sorriso.


Sob o sol radiante e a brisa fresca, a jornada deles se iniciou.


— Você conhece Rild, certo? — O rapaz que carregava a maior parte da bagagem perguntou.


— Sim, você não?


— Apenas por histórias. Sei que é um grande ponto de encontro para caçadores porque se encontra em um dentro de uma área de surgimento de Fissuras Negras e é onde muitos iniciam suas carreiras como um.


— Bem, isso resume muito bem Rild. Eu estive lá quando meus pais ainda estavam vivos. Havia caçadores por todos os lados, mercadores comprando partes dos corpos de kitanos abatidos e vendendo armas, era bem movimentado.


— Você chegou a ver a sede da Irmandade dos Caçadores?


— Ah, sim! Era um castelo enorme no centro da cidade, cheio de troféus, armas e caveiras nas paredes. No salão principal tinha o esqueleto de um dragão vermillion kitano gigante! Era sensacional!


“Eu me lembro desse aí. Quando apareceu pela primeira vez destruiu umas cinco cidades. Quando os caçadores o mataram, comemoraram feito loucos. Humph, se eu não estivesse ocupado teria mostrado a eles o que é destruição de verdade.”


“Você fala demais para quem faz tão pouco. Eu procurei nos livros de história e não há nada sobre você.”


“Eu já tive muitos nomes para os humanos, e como alguém que me viu de perto jamais saiu inteiro, isso não me surpreende.”


“Isso é impossível. Você é um Dragão Demoníaco das Sombras, se você começasse a matar muitas pessoas, seria encontrado por gente poderosa, e no fim, todos te reconheceriam."


“Deixe-me te contar um segredo: quando estou em minha forma física, eu tenho a capacidade de manipular e alterar livremente meu corpo, podendo passar de um enorme e imponente dragão a um mero cachorro em segundos.”


“Sei.”


— Asura, como a gente vai conseguir mais de dez milhões de moedas de ouro em menos de um mês?


— É uma boa pergunta.


— Tem um jeito, né? — Ela começou a se preocupar. 


— Quando uma Fissura é descoberta, a Irmandade abre um contrato para os caçadores da região. Com base na dificuldade do lugar, é estabelecido um valor inicial e 100% do que você conseguir lá dentro é seu. Coisas como recursos naturais e troféus de kitanos.


— E vendendo essas coisas você consegue uma boa quantia de moedas, certo?


— Quanto maior a dificuldade do lugar, maior a chance de conseguirmos coisas raras e valiosas, e isso significa mais moedas.


“Isso também significa mais chances de morrer. Se fosse simples não existiriam famílias miseráveis e esfomeadas.” Askhalon comentou. 


— Quando você fala desse jeito, por um instante, parece que você se importa.


“Que bom que você sabe que não é o caso.”


— Você tá falando com Askhalon, né? — Raven o olhou torto.


— Sim.


— Ele fica te perturbando?


— O tempo todo.


“Assim magoa. Vejo você como um colega de quarto desde que entrei aqui.”


— Um colega de quarto divide um quarto, não um corpo, isso é intimidade demais. 


“Se está incomodado, pode sair a qualquer momento.”


— Por que não tenta me expulsar?


“O tanto que tentei não está escrito.”


— Tais palavras são como música para meus ouvidos.


— Eu não consigo ver vocês como inimigos de forma alguma. Parecem mais colegas de longa data.


“Errada ela não tá.”


— Errada você não tá.


As frases do Dragão Demoníaco e do jovem saíram sincronizadas.


“Não me sobreponha, peste.” Disse Askhalon.


“Cala a boca, praga.” Rebateu Asura.


— Há quanto tempo ele está dentro de você?


“Quinze anos.” Askhalon disse.


— Quinze anos, de acordo com ele.


— Você só o descobriu agora, certo?


— É por aí.


— Nossa, que surreal, você tem duas criaturas dentro de você que querem tomar seu corpo.


— Não é legal.


**** 


Após um dia inteiro de caminhada, a noite chegou e junto dela um momento de descanso.


— Hakerein Gakê!


Sentado ao redor de uma fogueira sobre uma planície verdejante, uma esfera laranja borbulhante surgiu na mão de Asura.


— Uau! Isso é a esfera de implosão?! — Raven, que também estava perto do fogo, questionou atônita.


— É.


— Como você criou essa técnica em tão pouco tempo? 


— Baseando-a em outras técnicas e estilos, não foi tão difícil.


— Você com certeza não tem uma definição normal para a palavra “difícil”.


— O que eu havia lhe dito se tornou realidade. Cassiel só perdeu aquela batalha por conta de seu senso moral.


— Porque ele nos deu tempo para nos prepararmos.


A esfera na palma do jovem desapareceu e ele disse:


— Precisamos de mais força o mais rápido possível, ou quando entrarmos em uma Fissura, sua dívida e esses bichos em mim não serão mais problemas.


— Porque estaremos mortos?


“Ah, ela está pegando o espírito da coisa.” Askhalon oportunamente comentou.


— O problema é que muitas das formas de ficarmos mais fortes precisam de dinheiro, e nós não temos nem uma moeda de cobre furada.


— Temos pouco tempo. Vamos fazer tudo que for possível. Vá dormir, te acordarei em quatro horas e treinaremos antes de seguir viagem.


— Quatro horas? Isso não é tempo suficiente!


— Agora é. Boa noite. — Asura se fingiu de surdo perante os resmungos da garota e se deitou.


****


— Vamos fazer uma pausa.


Como se estivesse esperando essa frase há horas, logo após a fala do jovem Raven fugiu do sol de meio dia se jogando na grama sob a sombra fresca de uma árvore ao lado da estrada de terra.


— Ah, que cansaço! Nossa, eu tô toda suada!


— Você nunca fez uma jornada, né?


— E parecia que eu já havia feito?


— Você e Alonse parecem ter ido a Valcan muitas vezes, e como não tem dinheiro para arranjar transporte…


— Com Alonse não era tão puxado, e nem tinha treinamento no meio do caminho.


— Acostume-se.


— Como é que você ficou tão forte em tão pouco tempo? Eu quase perdi aquele combate!


— Ter um objetivo claro em mente é o primeiro passo. — Aproveitando também o momento, Asura se sentou ao lado da moça. — Com livros e pergaminhos em mãos tudo que fiz foi me tornar autônomo no quesito treinamento e preparação, a evolução veio naturalmente.


— Ah, você faz parecer tão simples. Se tivesse usado suas armas ou mesmo a implosão, eu teria perdido.


— Se tivesse usado suas técnicas mais poderosas, eu teria perdido.


— Acho que foi por isso que acabou em empate.


— Temos algum bom tempo até Rild, aproveite-o para se provar mais forte. — O rapaz pegou um pequeno objeto oculto envolto em um pano branco e o encarou por um momento até decidir revelá-lo.


— Tá bom, pode deixar. Oh… O que é isso?


— Era da minha mãe. — Respondeu ele ao empunhar o medalhão em formato de sol pela corda. — O brasão da família dela.


— Você conheceu as famílias dos seus pais?


— Só pelo que meus pais contaram. Eles sempre disseram que vieram de outro reino, apesar de nunca terem dito qual, e que um dia me levariam para conhecê-lo e também os parentes que nunca vi. Não deu tempo. O único que conheci foi minha tia que também morreu na Vila das Canoas. E você?


— Eu conheci bastantes. Minha família costumava ser grande. Tinha meus pais, meus avós paternos e maternos, meus tios, primos… — A garota que havia se perdido em lembranças notou Asura e seu olhar que parecia estar no passado onde sua família estava viva. — Ah, desculpa.


— Eu não me importo. Só estava pensando nesse reino do qual meus pais vieram. E nesse brasão.


Raven vasculhou uma de suas bolsas e pegou dela uma daquelas pedras em forma de prisma.


— Acho que se minha família tivesse um brasão, seria esse.


— Por quê?


— É algo que parece ser passado de geração em geração para certos membros. Eu sei que a coleção que está comigo pertenceu à minha bisavó, minha avó e minha mãe antes de mim. Sei que minha tia materna também tinha sua própria coleção.


— Uma coleção de pedras… Pra você se trata de sentimentalismo, mas por que é importante dentro da sua família?


— Ah… — Raven teria dado uma resposta clara, se tivesse uma. — Talvez sejam algum tesouro…


— Sei.


“Vida longa à Rainha...” Askhalon despretensiosamente falou.


“O que quer dizer com isso?”


“O que será? Talvez devesse aprender a ler khitês. Está escrito na caixa de pedras. Vi naquela biblioteca, apesar de não ter conseguido traduzir a frase inteira.” O dragão rebateu.


— Raven, você está com a caixa de pedras, certo?


— Sim, por quê?


— Pode me emprestá-la?


Curiosa com o porquê do pedido, a garota retirou de sua bolsa a caixa de madeira vermelha e a entregou ao jovem.


“Vida longa à… Rainha dos Cavaleiros Caídos.” Askhalon disse antes que Asura pudesse sequer tentar ler as palavras em khitês.


— Você sabe algo sobre uma “Rainha dos Cavaleiros Caídos”?


— Nunca ouvi falar. Espera, é isso que está escrito na caixa?!


— É.


— Como você traduziu?! Isso tá na minha família há gerações e mesmo grandes linguistas não conseguiram decifrar essa língua!


— Não fui eu.


— Ah, entendi… Mas e então, o que está realmente escrito aí?


— Vida longa à Rainha dos Cavaleiros Caídos.


De repente, o som de algo rachando irrompeu da caixa de madeira nas mãos de Asura.