Fantasma Sombrio Capítulo 29

 


Capítulo 29

A breve despedida


Se fosse um dia atrás, Lana pensaria que não merecia alguém como Dracarys, claro depois de conhecê-lo. Mas agora, ela apenas aproveitava, havia se tornado segura de si mesma, se autovalorizando e se tornando presunçosa, do jeito que uma pessoa feliz que tem tudo deve ser.


A noite de Lana e Dracarys havia sido bela, então o dia seguinte chegou e foi como um recomeço para a garota, não se comparando nem um pouco ao último que teve na casa da sra. Gardênia.


Quando chegou na escola, ela se contentou em ver os comentários das pessoas ao vê-la junto de Dracarys, especialmente das outras meninas.


Embora o semblante da nova Lana parecesse isenta e fria, por dentro ela estava tão elevada quanto nunca, a autopercepção de quão incrível era passou a fazê-la ver as pessoas à volta como seres que não passam de insignificantes, um bando de idiotas, pessoas com um rostinho bonito, sorrisinho no rosto, mas por dentro deploráveis, especialmente Saketsu.


Como havia se tornado irritante ele demonstrar uma fingida preocupação com ela, ainda mais por notar que ele ficou a olhando durante a aula inteira. Se pudesse, o fazia dormir para não acordar nunca mais.


O dia acabou sendo meio entediante, sem nada demais, mas isso começou a ser compensado tarde da noite, quando Saketsu foi até a mansão de Dracarys e lá ocorreu a luta. Ela havia permanecido escondida, apenas escutando as besteiras que ele dizia, e acabou rindo pela reação dele quando Dracarys disse que ela a matou.


Bem, de certo modo Dracarys não mentiu.


No fim, Saketsu, fraco como sempre foi, fugiu e a deixou com seu amado Dracarys, resultando em mais uma noite de pura luxúria e prazer.


Na manhã do dia seguinte, já achava que o dia na escola seria como o anterior: chato. Para a sua percepção, Saketsu não havia aparecido, isso a fez pensar que ele estaria dentro de casa, preso no quarto, talvez triste por achar que ela tinha mesmo morrido, chorando por ser um perdedor; fracassado.


Já durante a tarde, seu celular não parava de vibrar com as ligações dele, e ela pensava: “Será que esse garoto não desiste?”.


Passou pela sua cabeça a possibilidade de que ele estaria passando por algum problema sério? Sim. Mas o que acontecia, aconteceria ou deixaria de acontecer não era mais da sua conta.


Teve que desligar o celular para evitar perturbações.


Quando finalmente saíam da escola e a noite começava a tomar conta da pacata cidade, Lana e Dracarys foram para uma cafeteria. Os dois sentaram-se defronte um para o outro em um canto isolado e fizeram seus pedidos à garçonete que foi os atender.


Então, você deixou mesmo que dessem como encerrado o caso de seu pai? — perguntou Dracarys, curioso.


— Eu não me importo mais — respondeu Lana de forma simples. — Ele se envolvia em um monte de coisa errada, eu não duvido que tenha sido alguma facção rival que fez aquilo com ele.


— Quem sabe, né? E sua casa, ela já está limpa e pronta para recebê-la de volta.


— Ah, mas você não disse que eu podia ficar com você naquela sua mansão? — ficou meigamente triste.


Dracarys sorriu achando fofo, e respondeu:


— É claro que pode. Você pode fazer o que quiser, não quero estragar seu grandioso momento que você demorou tanto para conquistar.


A garçonete serviu-os. Lana pegou sua colher e começou a mexer em seu copo de café com chantilly.


Logo atrás de Dracarys, notou um noticiário que estava sendo transmitido ao vivo na TV. Uma repórter descrevia um incidente que acabara de acontecer, sobre alguém duas pessoas terem caído de um prédio.


Dracarys só percebeu porque Lana estava interessada naquilo, então virou-se um pouco para ver também.


"Há alguns minutos, um jovem e um agente da lei caíram deste prédio de mais de cinquenta metros de altura". De maneira desfocada para censurar, a câmera mostrava a imagem dos corpos estirados no chão, ensanguentados, nem precisando do desfoque para ver que o estado deles estava irreconhecível.


Lana sentiu uma sensação estranha e arrepiante passar por seu corpo. Se perguntava se era porque estava vendo uma cena chocante ou era algum tipo de intuição.


"... foi nada mais que um suicídio. Como eu acabei de dizer: ele estava sendo perseguido pela polícia por um crime que cometeu, e tentou fugir. Só que viu que não tinha como e, sem escolha, acabou se matando, infelizmente levando dos nossos oficiais junto." depôs um policial que estava sendo entrevistado.


"E você confirma que ele era um jovem de quinze anos?" perguntou a repórter. “Sim. Temos os dados dele.”

"E que tipo de crime ele cometeu?"


"Isso já é confidencial" deu sua resposta final.


Dracarys parecia se divertir com a notícia tão tensa, já Lana estava séria, com um desconforto sem explicação, ainda mais enquanto olhava para seu celular sobre a mesa e via que ele não vibrava mais depois de ter feito isso a tarde inteira.


Tentou ignorar o sentimento estranho, mas estava sendo difícil.


Uma pessoa entrou pela porta e Lana se surpreendeu ao ver quem era, sendo Tales, que se aproximou da mesa, parecendo cansado depois de ter corrido bastante e também desesperado, lutando para soltar as palavras em meio à sua respiração ofegante.


— Saketsu... ele... ele morreu!


Os olhos da garota se arregalaram sem que ela percebesse.


— Eu ouvi tudo... — continuou Tales. — Aquele cara... Dalton... o matou a tiros. Eu ouvi tudo pela ligação!


Então começou a contar os detalhes. Lana apenas permanecia com um olhar perplexo, pálida, com uma inconsciente lágrima que lutava a todo custo para sair de seus olhos, tendo por fim conseguido e escorrido pelo seu queixo, trazendo um turbilhão junto.


Realmente havia sido um baque inesperado e sem sentido para ela, de forma inexplicável uma emoção de culpa pesou fortemente em seus ombros, a fazendo se sentir esmagada.


***


O nublado dia seguinte garoava, espelhando o sentimento triste das poucas pessoas que estavam velando o humilde caixão de Saketsu em um cemitério, no caso todos os seus colegas e amigos, incluindo Lana, que chorava, não tendo forças para olhar quando o coveiro começou a jogar a terra por cima.


Quando finalmente o enterro terminou e todos foram embora, Lana continuou ali, inerte em frente ao túmulo, os olhos inchados de tanta lágrima que derramou, pensando em tudo o que aconteceu.


Havia sido tudo tão repentino, tantas coisas em tão poucas horas. Ela, anteontem, achara que nunca sofreria novamente, que era dona do mundo, e olha só agora, toda deplorável e deprimente.


Não sabia o que Dracarys realmente havia feito para acabar com toda a aflição de antes, especialmente da morte de seu pai, mas percebia que ela não havia deixado de existir, apenas continuava dentro de si, adormecida.


Não conseguia carregar o peso das atitudes que teve com Saketsu, ele no fim das contas sempre fez o que podia por ela, e ela havia retribuído como?


Possivelmente ele havia saído deste mundo sentindo desgosto por ela, e o peso dessa culpa era insuportável.


Só conseguia enxergar duas opções para lidar com isso: se isentar novamente de suas emoções com a ajuda de Dracarys ou simplesmente apagar sua existência com a morte.


No fundo, acreditava que se morresse, com alguma possibilidade, poderia se encontrar com Saketsu novamente, em outro lugar, em outro plano, para assim se desculpar, mas e se não desse certo? E se o outro lado não existisse como estava imaginando?


— Vai pegar resfriado se ficar aqui na chuva. — Ouviu uma voz familiar, que a tirou de seus pensamentos.


Quando viu quem era, foi dominada pela surpresa. O jovem que havia se aproximado era Saketsu, que sorria em uma completa paz, acenando para ela com um bem simpático "oi".


— S-Saketsu... — gaguejou Lana, mal conseguindo conter a estranha emoção. — Me desculpe... me desculpe mesmo... Foi... Foi minha culpa... — dizia ela, caindo no choro de novo, tentando limpar as lágrimas que não paravam de sair.


— Calma, Lana. Está tudo bem. Não foi sua culpa — tentou acalmá-la.


— Me desculpe por ter brigado com você... Se eu tivesse atendido o celular... isso... isso não teria acontecido.


Lana estava completamente arrependida.


— Está tudo bem. As coisas acontecem porque têm que acontecer, não é assim?


Não se segurando, Lana se atirou para cima dele para um abraço, porém, não conseguiu tocá-lo. Era como se tivesse acabado de passar por um fino véu quase impossível de ser sentido.


Ao se virar e reparar melhor, dava para ver que Saketsu estava muito mais pálido que o normal e meio transparente, não tendo mais as partes finais da perna, sendo como se flutuasse.


— Ha ha ha, sim, eu sou um fantasma agora, literalmente. — ele sorria meio sem graça, enquanto no fundo dava para perceber sua infelicidade.


Lana abaixou a cabeça, os punhos cerrados de raiva consigo mesma, de modo que as unhas cravaram na palma de sua mão que logo começava a sangrar.


Não possuía mais a vontade de falar. Não achava que tinha mais esse direito. Pedir desculpas seria egocêntrico demais de sua parte.


Se tivesse ficado sempre do lado dele, como prometera, e não tivesse se deixado afetar por algo tão irrelevante como um simples ciúmes, nada disso teria acontecido, e estariam vivendo um outro dia agradável, assim como foi nas últimas semanas, mesmo com as questões sobrenaturais.


Instantes se passaram, e Saketsu contava tudo quando seguiam por uma trilha próxima na floresta. A parte em que ele esclareceu sobre Aine, de que Dracarys estava por trás de tudo o tempo todo, foi a que mais deixou Lana frustrada consigo mesma, ainda mais por se lembrar que havia se deixado levar emocionalmente por aquele maldito.


Ela não chegou a contar sobre isso para Saketsu, pois sabia que ele não iria gostar, queria evitar de o decepcionar ainda mais, então o assunto foi levado para a morte de seu pai.


Saketsu sentiu muito por ela.


— Bom, para não ficar sozinha você poderia ir ficar com a sra. Gardênia, tenho certeza que ela não se incomodaria em receber você — sugeriu Saketsu.


— Mas e quanto a você?


— Eu vou ficar bem. Nesta forma eu nem sinto fome, nem preguiça, tô de boa, fora que agora eu posso atravessar paredes, ser invisível pra sondar as pessoas. Eu só queria ter morrido com uma roupa melhor. — Ele vestia uma calça jeans e uma camisa básica meio velha, Lana sabia que quando uma pessoa morre, às vezes o espírito acaba vestindo a mesma roupa usada na hora da morte. — Enfim, acho que é isso…


— O que você vai fazer agora? — Lana quis saber.


— Não sei bem, talvez aproveitar e andar um pouco por aí assombrando as pessoas, quem sabe. De qualquer forma, de acordo com que Ukyi disse, meu tempo aqui é curto, e eu percebo que estou sumindo cada vez mais, então não sei quanto mais irei durar.


Lana não falou nada, apenas abaixou um pouco a cabeça.


— Pode me fazer um favor antes de eu partir? Entregue meus mangás do Uãne Pice para o Enzo e minhas outras coleções para o Tales. Diga pra eles também continuarem sendo as pessoas maneiras que são, que desejo boa sorte para eles, ainda mais pro Enzo, já que ele tem que lidar com a Pimentão.


Saketsu começava a falar como se deixasse suas palavras finais para o mundo, dando para perceber o alívio que estava sentindo ao saber que mesmo que não pudesse mais comunicar com as pessoas que gosta, a mensagem chegaria a eles.


— E falando nela, fala pra ela ser um pouco menos estressada e aprender a relaxar, a vida é uma só, depois que morre é isso aqui que você está vendo. E fala pra Lari que eu desejo tudo de bom pra ela também, que não precisa mais chorar como chorou hoje por causa de mim, que ela e Tales formam um belo casal.


Lana apenas acenava a cabeça, se emocionando junto.


— E para você, Lana, não precisa ficar desse jeito, eu sei que uma hora tudo vai dar certo, não vai demorar. Independente de onde eu estiver, sempre estarei olhando por você, e, se de alguma forma eu puder, estarei te protegendo.


— Sim — disse ela, com um sorriso de felicidade passando a sobressair sobre sua tristeza.


— Eu gostaria de terminar isso de forma mais bonita, mas nem um abraço eu sou capaz de te dar agora, então se dizer é a única coisa que eu posso fazer e eu nunca disse isso, quero que saiba que… eu amo você.


— Eu também te amo, Saketsu.


E os dois sorriram um para o outro, como nunca antes. Saketsu deu as costas para ela e começou a andar.


— Agora vou indo nessa, lembrei que tenho uma coisa que eu preciso fazer, quem sabe possamos passar mais um tempo juntos antes que minha hora aqui na Terra acabe.


— Estarei te esperando.


Saketsu apenas ergueu uma das mãos e deu um aceno de costas, seguindo seu caminho.


— Tu não devias sair fazendo promessas assim — avisou Ukyi, que surgiu caminhando ao lado dele poucos segundos depois.


— Eu sei, mas não pretendo sair deste mundo sem cumprir, se depender de mim meu último momento aqui será com ela — disse calmo, porém convicto.


— Ukyi não falou nada, permaneceu olhando para frente e mudou de assunto:


— O que pretendes fazer agora? Para onde estás seguindo?


— Estou indo para minha outra casa, preciso fazer algo que prometi anos atrás que faria quando eu morresse.


Saketsu cerrou os punhos, com uma expressão zangada.


— Eu não sei o que me espera, mas eu sinto que ainda não acabou para mim, quem sabe eu ainda tenha a oportunidade de acabar com Dracarys… não, com o tal Deus desgraçado que agiu através dele para acabar com minha vida e com a de Lana, vai que além disso eu ainda tenha a chance de ver se a profecia da bruxa irá se realizar.


***


Dracarys estava passando por uma rua de uma parte mais isolada da cidade, quando percebeu o letreiro escrito “Loja Esotérica da Bruxa Carla - Artigos Místicos e Religiosos”.


— Ora, eu estava mesmo pensando em ir para um lugar desses, preciso compreender melhor a energia deste mundo, que é tão diferente do meu — disse com um leve sorriso, então entrou, fazendo o sino da porta soar.


O lugar pequeno mal iluminado e meio sombrio, cheio de prateleiras com objetos inusitados, como potes de ervas, velas, ferramentas ritualísticas e várias outras coisas. Para Dracarys era agradável, ainda mais com o forte cheiro de incenso.


Não tinha ninguém ali, nem no balcão. Dracarys chamou, mas ninguém atendeu, então, estranhando, com a intuição gritando alto, se viu tentado a ultrapassar o balcão e entrar pela porta atrás dele.


Acessou uma pequena sala com cortinas em volta e uma mesa redonda no meio e continuou, indo até uma outra bela cortina de contas que servia como porta.


— Com licença. — Ele fez uma abertura nela com a mão e sondou o outro cômodo, se deparando com um quarto iluminado a velas e uma mulher sentada em frente a seu altar, toda estranha.


A bruxa estava ofegante enquanto mantinha as mãos sobre uma bola de cristal, com seus olhos revirados como se estivesse vendo o Além.


A energia perpetuando pelo lugar era incrível, afetando até as chamas espalhadas ali.


— É o fim… Este mundo vai ser destruído… As criaturas são reais… Elas irão tomar tudo…


— Ela começava a falar, parecendo entrar em uma espécie de convulsão.


Era muita carga energética sendo recebida, até que, enfim, não aguentou mais e se afastou fortemente para trás, quase caindo com a cadeira.


Dracarys não estava entendendo nada, ele foi até a frente da mulher para vê-la melhor e ela parecia estar com uma forte doença degenerativa, sua pele toda afetada, já em seu estágio final, não tendo mais quase nenhuma consciência.


Em uma das paredes que recebia a luz da vela, Dracarys percebeu uma sombra animalesca surgir, e ela se moveu para a sombra da mulher, devorando sua cabeça, fazendo ao mesmo tempo com que a cabeça real dela também fosse esmagada, espirrando sangue para toda parte, inclusive no rosto de Dracarys.


— Uau, o que aconteceu aqui? Isso que dá acessar o que não deve. — Passou a mão no rosto para limpar.


Prestes a sair, percebeu três cartas de tarot viradas em cima do altar, sendo A Torre, O Diabo e O Mundo, e mesmo Dracarys não tendo muito familiaridade com elas, entendia muito bem o que significavam.


— Huhuhuhu! Hahahahahaha! Eu vou adorar estar aqui para ver isso!


E foi-se embora, passando a esperar ansioso pelo evento que iria mudar o mundo.